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Jueves, 03 de abril de 2014 
O'Globo, Brasil.
‘É inaceitável derrubar um governo eleito’, diz chanceler chileno sobre Venezuela
Heraldo Muñoz afirma que países da América do Sul têm de evitar que minoria derroque Maduro ‘à força’
ELIANE OLIVEIRA
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BRASÍLIA — Um dos articuladores para a criação, em meados do mês passado, do grupo de chanceleres da América do Sul encarregado de facilitar um acordo entre o presidente Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, o ministro das Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz, fugiu do tom diplomático, nesta quinta-feira, ao comentar a crise na Venezuela. Em entrevista ao GLOBO, Muñoz afirmou que, apesar das críticas que vem recebendo, a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) tem a responsabilidade de evitar que um governo democraticamente eleito seja destituído, à força, por uma minoria.

Muñoz, que foi embaixador do Chile no Brasil no fim dos anos 90, foi recebido no Itamaraty, pelo colega brasileiro Luiz Alberto Figueiredo. Além de conversar sobre a visita que a presidente Michelle Bachelet fará ao Brasil dentro em breve, ele veio a Brasília para dizer que seu país quer reavivar o que chamou de “intensidade” das relações bilaterais. Reconheceu que, nos últimos anos, houve certo distanciamento, mas garantiu que seu país quer recuperar o tempo perdido.

O Chile e os demais países sul-americanos estão sendo duramente criticados por causa da postura da Unasul ante a crise da Venezuela. Uma das queixas partiu, na última quarta-feira, da deputada venezuelana María Corina Machado, que disse que a Unasul não é confiável. O que o senhor tem a dizer a respeito?

MUÑOZ — Sem dúvida, estamos muito preocupados com a violência, as mortes e a polarização na Venezuela. No entanto, os países amigos da Unasul têm que tentar cooperar, ajudar, assessorar. A ideia é convencer governo e oposição a se sentar à mesa e chegar a um acordo que recupere o caminho da paz. Nós não podemos dizer o que os venezuelanos têm de fazer, pois são eles que precisam resolver seus próprios problemas. Mas temos a responsabilidade de defender não só a democracia, o estado de direito, e os valores de direitos humanos. Temos de defender um governo democraticamente eleito que alguns, uma minoria, querem derrocar pela força. Isto é inaceitável.

A Unasul é formada por países cujos governos têm ideologias distintas. O comunicado das nações sul-americanas sobre a situação na Venezuela é um dos poucos consensos que vemos...

MUÑOZ — É preciso revitalizar a Unasul e, para isso, temos de ter vontade política. Há diferenças na Unasul, como a definição sobre o papel do Estado e do setor privado, que precisam ser respeitadas. E, acima de tudo isso, devemos ter capacidade para construir uma arquitetura de integração. Não podemos ficar detidos ou congelados pelas divergências. Não é fácil, pois há os interesses nacionais, as forças nacionalistas, as diferenças ideológicas, mas os países bem sucedidos deixam as essas questões de lado para avançar no principal.

Como estão as relações Brasil e Chile?

MUÑOZ — Minha visita tem o propósito de recuperar a intensidade da relação bilateral. O novo governo da presidente Michelle Bachelet tem como prioridade a América Latina, e particularmente, a América do Sul. Nesse contexto, a relação com o Brasil é prioritária para nós. Sempre fomos aliados tradicionais e, em algum momento, a relação sofreu uma perda, mas há muitas áreas em comum entre os dois países. Por exemplo, o Chile é o maior investidor da América Latina no Brasil. Isso corresponde a US$ 24 bilhões e a 100 mil empregos gerados em diversos estados brasileiros nos setores de celulose, eletricidade, informática, química e metais. Há uma crescente interdependência econômica e, agora,queremos adicionar mais densidade política, cultural, social.

Por exemplo?

MUÑOZ — Convidamos o Brasil para se integrar à missão do Chile na ONU. Ou seja, queremos colocar um diplomata brasileiro na delegação chilena que está no Conselho de Segurança. O convite foi aceito. Em troca disso, o Brasil vai nos passar informações relevantes onde o Chile não tem embaixadas. Como se sabe, na reforma da ONU, o Chile apoia a candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança.

Junto com México, Peru e Colômbia, o Chile faz parte da recém criada Aliança do Pacífico. Alguns analistas afirmam que o bloco, tido como liberal, surgiu para se contrapor politicamente ao Mercosul. É verdade?

MUÑOZ — O Chile tem uma concepção da Aliança do Pacífico como simplesmente um arranjo de integração econômica, em uma plataforma de projeção dos países da América Latina voltados para o Pacífico. Não podemos aceitar a definição de que é um bloco ideológico, ou político, antagônico ao Brasil, ou aos países do Atlântico. O que nós desejamos é uma convergência entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul.